Capítulo 7. Invasão da Frâncica


Embarque Chuvoso

Era o ano de Nosso Senhor de 488, e um que começava muito chuvoso. Com a primavera, os cavaleiros de Roderick se reuniram em Sarum para a páscoa, como de costume. Na corte e nas ruas os boatos eram de que um Praetor, um governador Romano, estava em Logres definindo uma possível aliança com Uther para retomar suas terras perdidas para os Francos. Roderick convocou seus cavaleiros para um banquete, onde definiriam sua posição sobre tal evento.

Earl Roderick durante o debate de seus vassalos

– Então é verdade o que dizem, meu Senhor? – perguntou Sir Amig, velho capelão de Tilshead.

– Sim, o Praetor Syagrius chegou do continente no ano passado com alguns homens e percorreram Logres oferecendo ouro por tropas. Enquanto o rei estava em Lindsey muitos senhores do sul se sentiram tentados a ir com eles.

– Mas o que pretende esse Praetor? – perguntou Sir Eustace.

– Ele quer que o rei leve seus exércitos e vença uma guerra para ele, em troca de uma grande fortuna. – disse o earl Roderick, silenciando todos. – E eu quero saber, meus vassalos leais, qual a sua opinião sobre entrar em uma nova guerra?

Uma longa discussão se formou. Sir Elad e Sir Geoffrey defendiam que entrar em uma nova guerra, além de ser custoso, poderia atrair mais inimigos. “Já temos os saxões em nossa costa, não precisamos dos Francos também!” argumentou Geoffrey. Porém a oportunidade de adquirir riquezas além-mar era tentadora. Como o príncipe havia derrotado a frota saxã, era pouco provável que eles fossem um grande problema neste ano. Assim, a maioria concordou em seguir para o continente.

Roderick concordou em levar apenas uma pequena parcela de seus homens, entre eles cavaleiros mais jovens e um terço de seu exército. Os demais deveriam defender o condado contra possíveis invasões.

Em uma semana, o exército de Salisbury marchou para o sul, até a vila portuária de Hantonne, onde o Almirante Gwenwynwyn, filho de Naf, os aguardava. Gwenwynwyn era um homem velho e rabugento, que olhava os cavaleiros com suspeita e arrogância. Porém era muito experiente no mar e no ano anterior ele liderou a frota do príncipe para as vitórias navais.

Houve um mal-estar geral devido o mal tempo. O exército ficou parado em Hantonne por três dias até que a maré se tornasse navegável, e a tensão e ansiedade só aumentavam. No quarto dia parou de chover e os ventos acalmaram, assim a frota pôde descer pelo rio e pelo estreito de Solent, até encontra-se com a frota real que partiu de Portchester, e enfim navegaram pelo Mar Bretão, para o continente.

A frota Bretã era composta por três galeras de guerra romanas, remanescentes da época em que Ambrósius Aurélius havia ido pra Bretanha reclamar o título de Pendragon. Eram uns dos últimos exemplares deste navio, sendo uma delas grande, com três fileiras de remos. Era a embarcação do Príncipe Madoc, do Almirante, dos lordes bretões e de seus principais cavaleiros, assim como os seus cavalos. As outras duas eram menores, com apenas uma fileira de remos, e nelas vinham os cavaleiros vassalos e seus escudeiros, que remavam as embarcações – isso fortaleceria seus músculos e lhe ensinariam humildade, dizia o Almirante, que obviamente se divertia em ver os nobres suarem nos remos.

Galera de Guerra Pequena,
com 1 fileiras de remos
Galera de Guerra Grande,
com 3 fileiras de remos
















Galés de guerra pequenas e largas circulavam as embarcações maiores, trazendo oito fileiras de remadores e podendo comportar até 50 homens apinhados. Tamanho era o número de cavaleiros que alguns desafortunados foram nestas embarcações menores.

A travessia foi tranquila, sem muitos imprevistos. Na manhã seguinte já era possível ver a costa da Frâncica. Os navios deslizaram até avistarem uma encosta rochosa e íngreme, a qual contornaram para o oeste, até alcançarem as praias próximas de Mare Vila, uma antiga vila romana costeira, há muito abandonada e habitado por famílias de fazendeiros. Nesta praia havia um acampamento com algumas galés Bretãs. Nesta praia o exército de Logre se instalou.

Sorcha Mac Donnel, a
Guerreira-Feiticeira Irlandesa
Durante a noite galés de guerra Irlandesas chegaram com seus mercenários selvagens. Eles foram trazidos por vassalos do Praetor para encorpar o exército. Membros do clã Mac Donnell, eram liderados por Russ o caolho. Dentre eles havia uma mulher, ruiva e bela, que portava espada, escudo e lança. Intrigados, Sir Dorian e Haggen se aproximaram dos selvagens, embora apenas um punhado ali falasse latim.

Eram alegres e tinham boa cerveja (como Dorian descobriu), e para o delírio de Haggen os irlandeses disseram que a guerreira era uma feiticeira e se chamava Sorcha. Quando retornaram para seu exército, todos olhavam estranhamente para ambos, o que ignoraram com prazer. Dorian se divertiu muito com a festa pagã, e Haggen caiu pelos encantos da feiticeira irlandesa.

Em Território Inimigo

Invasão da Frâncica pela atual Normandia
Os Bretões atravessaram o Canal até Mare Vila
 “Quarenta dias ou uma cidade, e nada mais!” advertiu o príncipe Madoc ao Praetor, que aceitou relutante.

No dia seguinte ao desembarque alguns cavaleiros foram postos a patrulhar em busca de batedores. Sir Dorian, Sir Haggen, Sir Isaac e Sir Jeremiah foram com seus escudeiros pela estrada sentido ao leste – na direção da cidade de Bayeux. Chovia neste dia, da mesma forma que choveu na Bretanha na ultima semana. Provavelmente o clima em ambas as partes fosse igualmente ruim, talvez fossem os deuses pagãos tentando molhá-los até apodrecerem.

Os oito cavalgavam pela estrada até que avistaram ao longe uma mulher solitária, de costas para eles, ao lado de um bosque. Sir Haggen mandou seu escudeiro, que obedeceu vacilante. O escudeiro e Sir Dorian, no entanto, se prontificou a ir. De longe os cavaleiros viram seus escudeiros se aproximarem da mulher. Eles foram, falaram com ela ao longe e a circularam. Gabriel, escudeiro de Sir Haggen se apavorou com algo, e cavalgou em direção ao seu senhor. Richard, sacou sua espada e bradou ameaças para a mulher.

Sir Dorian cavalgou o mais rápido que pôde, e percebeu que a mulher continuava de costas, independentemente do ângulo em que se posicionasse. Ele circulou a mulher, e ela continuou de costas, para o horror de Richard que a golpeou com a espada, fazendo-a desaparecer. Todos ficaram abismados com a mulher – de fato, ela esteve de costas para todos ao mesmo tempo.

Surpresos, eles foram investigar o bosque, mas encontraram somente uma cruz feita toscamente com dois galhos – obviamente uma sepultura pobre. Intrigados, saíram da mata sem mais respostas, e continuaram sua patrulha.

Patrulheiros

Cerca de uma hora de distância do bosque, os cavaleiros cansados perceberam um movimento adiante. Sir Dorian, com seus bons olhos, avistou um grupo de guerreiros – certamente patrulheiros apeados, obviamente em maior número. Em questão de momentos tiveram que decidir se os evitaram ou se os atacariam – se fugissem, os homens poderiam vê-los e delatar aos superiores a presença dos Bretões, se os atacassem estavam em desvantagem numérica.

Sir Dorian não se preocupou, instruiu seus camaradas a entregarem suas lanças aos escudeiros e avançou. E assim fizeram – instruíram os escudeiros a contornarem os inimigos e arremessarem as lanças sobre eles. Então partiram em uma carga mortal.

Ao se aproximarem, foi visível que os guerreiros eram Francos e portavam lanças. Sir Isaac, ao ver o metal pontiagudo gritou “Vamos morrer! Vamos Morrer!” e perdeu a cabeça, recuando. Então ficou envergonhado por ter fugido e foi tomado por um turbilhão de emoções, deixando-o louco. Sir Isaac fugiu para longe.

Guerreiro Franco
Os Francos arremessaram machados Francisca, e um deles atingiu Sir Jeremiah no peito, derrubando-o do cavalo. Sir Dorian sentiu medo ao ver seus companheiros caírem, mas Sir Haggen foi avante e atropelou em cheio um dos guerreiros, seguindo para a linha dos que arremessavam machado. Sua espada foi rápida e golpeou um deles, matando-o.

Dorian chegou aos guerreiros, e teve inicio um combate longo. Os escudeiros arremessaram as lanças sobre um dos francos, apenas duas atingiram-no, mas foi mais que o suficiente para derrubá-lo. Haggen pegou distancia e fez uma nova carga, indo ao auxílio de Dorian com os combatentes, enquanto os escudeiros, de forma similar, avançaram sobre os arremessadores de machados.

A vitória veio com sacrifício, e os cavaleiros conseguiram  levar um combatente inimigo sobrevivente – ele se destacou pois seu escudo trazia uma cruz amarela. Pegaram as armas e escudos dos inimigos e retornaram para o acampamento.

A Loucura de Sir Isaac

A noite, de volta ao acampamento, os cavaleiros deixaram os equipamentos capturados, seus cavalos e os escudeiros, e trataram logo de dar seus depoimentos ao príncipe. Após contarem sua historia, chamaram o prisioneiro para ser interrogado e foram dispensados.

Sir Isaac havia desaparecido e Sir Jeremiah decide ir atrás dele. Dorian e Haggen vão com ele e vasculham as terras Frâncicas. Chegam então no bosque onde haviam visto a mulher de costas, onde avista o cavalo de Isaac.

Ao adentrar a mata, encontram as armas e vestes do desaparecido. Em seguida, na mesma trilha, sua armadura. Enfim encontram Sir Isaac, nu, deitado em posição fetal e chorando aos pés da tosca cruz. Jeremiah tentou falar com seu amigo, mas ele correu como um animal pela floresta. Os homens pegaram o manto de chuva do cavaleiro, correram atrás dele e o prenderam. Assim, conseguiram leva-lo de volta ao acampamento, embora berrando e se debatendo.

Isaac estava louco, gritando e chorando por sua vergonha. Sem ver outra saída, os cavaleiros recorreram à feiticeira Irlandesa. Ela aceita ajuda-los e entra na tenda de Isaac e avalia sua situação. “Preciso que me deixem sozinha com ele” insistiu, fechando-se dentro da tenda com o cavaleiro. Aos poucos os gritos foram cessando, e depois de alguns momentos Sir Isaac estava a dormir.

Contentes, os cavaleiros entregam as armas e armaduras capturadas aos Irlandeses. E Sir Haggen tenta se aproximar da feiticeira, declarando seu desejo em tê-la. Ela disse que só se deitaria com ele caso se provasse digno em batalha, desafiando-o. Haggen aceitou o desafio.

A Batalha de Bayeux

Na manhã seguinte a patrulha, o exército ja estava abastecido de escadas para subir nas muralhas e haviam construído um aríete tosco sobre uma carroça, reforçando-a com madeira nas laterais e cobrindo-a com algumas camadas de couro.

Com tudo preparado para o ataque, o exército marchou para o sudoeste, em direção a Bayeux. Levaram quase dois dias para chegar lá com todo o equipamento, suprimentos, padres e prostitutas. Quando avistaram a muralha romana ao longe, o Príncipe ordenou que se preparassem para o combate. Os guerreiros bretões beberam e rezaram, enquanto os irlandeses se despiram, cantaram e dançaram, invocando seus feitiços pagãos – cristãos e pagãos, todos, à sua maneira, preparando seus corpos, suas mentes e suas almas para o que viria a seguir.

Tambores foram ouvidos de dentro da cidade, um claro sinal de que os francos os aguardavam. Uma linha de guerreiros se formou, sendo que os irlandeses se posicionaram no flanco direito e os cavaleiros, em uma coluna de mais de duzentos homens, no flanco esquerdo  O príncipe fez um discurso animador aos homens, seguido de perto pelo Praetor. Quando terminou, Russ, o caolho, deu ordens aos seus homens que assumiram o aríete e as escadas, correndo para a cidade.


Investida Irlandesa
Eles dividiram suas forças. Metade se aproximou da cidade, levando o aríete até o portão sob uma chuva de flechas e machados Francisca. A outra metade, com Russ, aguardou o aríete começar forçar a passagem para correr com as escadas. Nus, correram contra o muro implacável, ergueram as escadas e subiram, iniciando a matança.

Ineficaz, o aríete foi posto de lado e os homens que o controlavam correram para as escadas para ajudar seus irmãos, e por um longo tempo os irlandeses lutaram na muralha. Madoc ordenou que soldados da milícia ajudassem os irlandeses e, aos poucos, obtiveram a vitória. Assim, eles puderam abrir os portões.

Com isso, a cavalaria disparou. Uma carga de duas centenas de cavalos, golpeando a terra como trovões. Adentraram a cidade entregando a morte a tudo que estava em seu caminho. Forçaram o caminho contra homens armados com lanças, Sir Haggen matou diversos combatentes na lateral direita, paralelo ao muro, acompanhado de Sir Dorian, que estava com medo devido à grandeza da luta. Eles abriram passagem por suados metros de chão até que Dorian fosse ferido – um irlandês que lutava no muro foi derrubado, caindo sobre ele, desequilibrando-o, permitindo que fosse golpeado pelas lanças inimigas. Dorian caiu no chão enlameado, derrotado.

O cavalo de Sir Haggen foi ferido por uma lança, ficando inconsciente logo em seguida. Haggen conseguiu se livrar do animal e caiu em pé. Ele ergueu seu escudo e foi até o corpo de Dorian, e pôs-se a defender seu amigo. A batalha seguiu por vários minutos, até que enfim os francos recuaram, foi então que Haggen pôde pegar o cavalo de Dorian, colocou seu companheiro sobre ele e foi para fora da cidade, passando pelo exército Bretão que adentrava o portão.

Haggen foi até o acampamento, onde Dorian foi socorrido pelos monges. Ele descansou e aguardou as coisas se acalmarem, mas quando viu seu amigo moribundo, recebendo a Santa Unção, percebeu que talvez fosse a última vez que o veria. Em honra a sua memória, Haggen subiu no cavalo de Dorian, armou-se novamente e foi para a investida final contra a cidade.

Os cavaleiros se agruparam no flanco direito de Bayeux, enquanto a grande massa de soldados atacava pela rua principal, auxiliada pelos irlandeses que, com escadas, se aproximavam do salão romano do governador da cidade. O Salão era de pedra, alto como uma torre retangular, um bloco impenetrável, cercado pelos últimos defensores francos.

Os cavaleiros, agora com Sir Haggen entre eles, armaram sua investida. Mais de uma centena e meia de homens a cavalo avançaram sobre os inimigos, devastando o flanco, desorientando os inimigos, agora cercados entre cavaleiros, guerreiros bretões e selvagens irlandeses, que enfim subiram na torre e invadiram o salão.

A vitória se deu quando os irlandeses abriram os portões da fortaleza e o Príncipe e seus vassalos adentraram o local, encontrando o líder dos Francos no chão. Madoc permitiu ao Praetor que executasse o inimigo, e todos comemoraram a morte.

O Desacordo

Os sobreviventes foram mortos e as moradas pilhadas, e embora Madoc não concordasse com isso, sabia que esta era a grande motivação dos homens, mas proibiu aos seus cavaleiros que tomassem parte da barbárie – esse comportamento era digno dos plebeus, não dos nobres. A decisão foi contestada mas, como todos receberiam sua parte dos espólios, não insistiram.

Houve uma grande comemoração naquela noite. Bretões e irlandeses cantavam e bebiam, como se não houvesse diferença entre seus povos. Sir Haggen, como prometido, foi até Sorcha que lhe disse ter visto o destino de Sir Dorian em sonhos. Intrigado, ele questionou porque ela não havia avisado. Ela respondeu que não teria feito diferença, pois eles teriam ido para a batalha da mesma forma. A irlandesa confortou Haggen e ambos passaram a noite juntos.

Na manhã seguinte, porém, o Praetor insistiu para que Madoc levasse seu exército para tomar mais territórios. Disse que convocaria soldados na região para lutar contra os invasores Francos, mas o príncipe foi irredutível. Furioso, o Praetor disse que não pagaria sua fortuna ao Príncipe que, indignado, trocou insultos com o Praetor. Furioso, Madoc ordenou que os irlandeses queimassem a cidade, e partiu deixando o Praetor à própria sorte.

Enfim, o exército bretão retornou. Sir Dorian sobreviveu à noite, mas permaneceu desacordado e gravemente ferido por meses. Haggen se despediu da irlandesa jurando que voltariam a se ver, mas ela o alertou que não via isso em seu futuro.

De volta ao lar, Haggen, ao rever sua esposa carregando no colo mais um filho seu, sentiu o remorso lhe corroer – seu coração divido entre o amor à sua mulher e a luxúria pela irlandesa. Haggen, que sempre foi conhecido por sua honestidade, não suportou o peso em sua consciência, e revelou à sua esposa o caso que teve.

Joyce ficou arrasada – sabia que era comum homens terem amantes, mas não esperava que seu marido tivesse perdido o interesse por ela tão rápido. O inverno foi frio em Tisbury naquele ano.

Frade Derfel
Fevereiro do ano de Nosso Senhor de 573

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