Capítulo 4. O Lago da Espada


Fim do fatídico ano de 485

Devo dizer minha senhora que após o fracassado noivado de Lady Gwynned, os cinco cavaleiros foram delegados as mais baixas tarefas possíveis. Supervisionaram desde limpadores de fossa até carregamentos de esterco para as fazendas – era muito provável que passassem o resto de suas vidas cuidando de tais afazeres menores. No inverno retornaram a seus feudos. Onde as coisas até que eram razoáveis.

Lady Joyce
Tisbury ainda era assolada por espíritos malignos na floresta, os quais seu druida, Berer, tentou acalmar o ano inteiro. Seus feitiços, se não bastaram, ao menos fizeram com que a população se acalmasse e o ano foi bom. Para contornar o problema das florestas mandou-se erguer uma represa e formar um grande lago, para que a pesca passasse a ser uma fonte de renda alternativa no feudo. Apesar dos problemas Haggen se viu noivando com a jovem Joyce, aia de Lady Gwynned a quem se afeiçoou e que, surpreendentemente, também é devota dos velhos deuses. No inicio do inverno Haggen foi até o feudo de Winterbourne Gunner onde Sir Hector, o pai de sua pretendente, residia.

Ali o cavaleiro passou por uma provação de fogo, onde teve sua mão cortada e cauterizada, além de beber elixires alucinógenos. O teste foi realizado pelo druida local e Haggen se provou digno de desposar a moça (além disso, enquanto fazia a prova, teve uma visão em que via um monstro de três olhos, navios saxões e mar). O casamento foi marcado para o próximo solstício de verão, em Stonehenge. Sabe-se também que o irmão caçula de Haggen teve problemas com Behir, filho de Sir Franklin, senhor do feudo vizinho e um de seus tios desapareceu na fronteira com Sussex. Ele enviou uma carta para Sir Franklin, retratando-se sobre o incidente, buscando uma saída diplomática.

Em Baverstock, feudo da família Mastiff, Dorian recebeu a visita de Sir Elad, cavaleiro de Bishopstone cuja vida foi salva na batalha de Mearcred Creek e que jurou devolver o favor. Durante o inverno, Dorian levou seus meio irmãos, Xavier e Rudolf, para caçar, mas foram emboscados por lobos famintos. A alcateia lutou com seus cães e, no meio da confusão, Xavier foi perseguido pelo alfa e mortamente ferido quando o lobo mordeu sua jugular. O inverno foi especialmente frio neste feudo e Sir Dorian se entregou a bebida – um tempo em que recebeu a alcunha de “o Bêbado”. Mas logo se recuperou.

Em Wylye, feudo da família Beckham, Sir Henry teve um bom ano, agraciado ainda mais com a oferta do Bispo Roger de erguer uma pequena Igreja na cidade. A oferta de construir o templo com o dinheiro da igreja, para abrigar uma relíquia (o abençoado dedo de São Paulo), foi demasiadamente tentadora, junto da promessa de ceder o prédio à família Beckham se eles pagarem o valor devido (£25). Sua irmã foi oferecida à igreja como freira, mas ela fugiu de tal destino, desaparecendo.

Salisbury, ano de Nosso Senhor de 486

No início do ano seguinte os cavaleiros foram delegados a tarefa de patrulhar a estrada romana que atravessa o norte da floresta de Modron, por Selwood. Era até que uma boa tarefa, ao menos não era preciso que vistoriassem as mais degradantes tarefas camponesas e, a menos, se exercitavam. A estrada seguia alguns dias além do forte Vagon, próximo ao feudo de Tytherington. Sir Dorian, Sir Haggen e Sir Henry, com seus respectivos escudeiros, patrulhavam a estrada cercados pela mata. O cheiro doce do orvalho matinal era revigorante, assim como a oportunidade de viajar novamente.

Próximo ao dejejum os cavaleiros decidem caçar algum animal silvestre – com os cães de Sir Dorian e o Açor de Sir Henry a ajuda-los. Após uma longa e pouco frutífera caça os cavaleiros avistam um grande bode, provavelmente do dobro do tamanho comum. Sir Haggen alerta que pode ser um espírito da floresta, mas Sir Dorian só pensa no desafio da caçada. Eles deixam os escudeiros para trás, para prepararem o almoço, e cavalgam. Perseguem a criatura e se embrenhando na mata, porém, são despistados e retornam cansados.

O Velho Pastor
No acampamento, no entanto, além dos escudeiros havia um velho, vestido com mantos marrons e simplórios, com um cajado de apoio para a perna manca. Este velho se dizia um pastor de bodes, a serviço de Roderick, que precisava encontrar seu grande animal. Ele pediu a ajuda dos cavaleiros que relutaram a auxilia-lo. Apenas Sir Haggen se voluntariou, mas bastou sua iniciativa que seus companheiros aceitassem. Novamente foram para a mata, desta vez, deixaram os cavalos com os garotos e seguiram acompanhados pelo velho.

Após uma busca longa, em meio a mata fechada, Sir Haggen ia a frente, seguido pelo resto do grupo. Quando subiam uma colina coberta por um mato alto, Haggen escorregou e caiu de um barranco, de frente a um gigante de Três Olhos, com mais de quatro metros de altura. A criatura urrou e arrancou uma árvore próxima, Sir Henry desceu o barranco para ajudar Haggen, que ficou congelado de medo.

Para ganhar tempo, Sir Dorian ordenou que seus cachorros atacassem e disparou sua besta por cima da colina, mas o virote foi tão eficiente contra o monstro quanto uma abelha. O gigante devolveu uma pedrada contra Dorian, atingindo-o no peito, trincando suas costelas.

Foi então que Henry investiu com sua lança, mas a pele dura defletiu o aço. O gigante virou-se contra o cavaleiro, golpeando-o em cheio com o tronco, de baixo para cima, arremessando-o para o alto, fazendo-o desaparecer na floresta.

Os cachorros avançaram contra os tornozelos do monstro, permitindo a Sir Haggen atacar, porém ele fugiu, deixando os animais a própria sorte. O cavaleiro foi para a mata, enquanto os cães eram massacrados.  A batalha cruel acabara, mas levou um bom tempo até que os cavaleiros se reencontrassem e, enfim, encontrar o corpo moribundo de Sir Henry – estava mortalmente ferido, com inúmeras fraturas, parecendo mais um boneco de pano que um homem.

Estranhamente, o velho estava ao lado do corpo do cavaleiro semivivo. Ele disse que havia um lago próximo onde poderiam curá-lo, e os guiou até o local. Mas o azar dos cavaleiros não acabara – havia um guardião no lago, um cavaleiro verde saiu das águas e os atacou com uma espada em cada mão. Ele cavalgou por entre os cavaleiros, sendo golpeado por Sir Haggen, mas o ferimento não sangrou – ao invés disso verteu água do ferimento, provando ser uma criatura mágica e não um homem.

O cavaleiro avançou contra o velho, que se defendeu habilmente com o bastão, numa velocidade imprópria para sua idade. Os cavaleiros então investiram contra o cavaleiro verde, que foi mortalmente ferido e dissolveu em lodo e água.

A Dama do Lago entrega a Espada
O velho então caminhou até a beira do lago, que era claro, porém aparentava ser estranhamente mais profundo do que seria possível. Ele pronunciou um encantamento e, então, do fundo das águas surgiu um pequeno barco branco. O feiticeiro embarcou, seguido de Sir Dorian que segurava o corpo de Sir Henry, e em seguida o barco se moveu sozinho em direção ao centro do lago, onde novamente o velho recitou palavras.

Do centro do lago, um brilho se viu e, de repente, o pomo de uma espada foi visto saindo da superfície, emergindo. Logo a empunhadura se mostrara, depois a guarda, depois a lâmina. Uma mão branca e suave, como a de uma donzela, segurava a lâmina comprida em sua metade. Ela ofereceu a arma para o feiticeiro, que a pegou pela empunhadura, e a guardou em seus mantos maltrapilhos.

O Arquimago Merlin se revela
Foi então que ele disse para Sir Dorian deixar o corpo de Sir Henry no lago, e assim ele o fez, colocando cuidadosamente o corpo de seu amigo no lago, vendo-o submergir, afundando nas águas claras. O barco então se afastou até a margem, onde desembarcaram.

Foi então, minha senhora, que o velho então se revelou como o grande Arquimago Merlin, e pediu para que não revelassem a ninguém o que ocorrera ali. Ele disse que a dama do lago cuidaria de Henry e conduziu-os até o acampamento, onde se encontravam os escudeiros com o jantar. Uma semana depois, Henry saiu nu da floresta, se lembrando vagamente de sentir-se em um lugar quente e aconchegante, como se fosse um bebê a ser aninhado pelo colo materno. Sir Haggen lhe disse que estivera sob os cuidados de uma Dama do Lago, uma poderosa feiticeira da floresta, mas Sir Henry tinha convicção que estivera sob a proteção da Santa Maria, mão do menino Jesus.

Casamento de Sir Haggen

Stonehenge
Quando retornou à Sarum, Haggen recebeu a resposta de Sir Franklin, que continha inúmeras ofensas e ameaças, caso adentrasse seu território. Raivoso, Haggen se controlou para que não declarar uma disputa de sangue. Pediu auxilio de Sir Eustace e enviou uma nova carta a Franklin antes de viajar.

Sir Haggen havia marcado seu casamento no solstício de verão, e os druidas escolheram Stonehenge para celebrar a cerimonia pois ali os espíritos antigos poderiam testemunhar a celebração. Seus amigos e parentes foram convidados e pelo menos cinco dezenas de pessoas se reuniram nas rochas. Dentre os presentes destacavam-se vários objetos de valor, incluindo uma pequena cruz de ouro para “abençoar” o casal pagão. O mais excêntrico, certamente, foi uma infusão de virilidade, presente de Sir Dorian, feito por uma bruxa a partir das genitais de um bode, para que o casal possuísse vários filhos.

Stonehenge - O sol Nasce do Leste (E),
apontando para o centro do círculo.
A celebração foi marcada pelo sacrifício de um boi, cujo sangue foi usado para marcar os noivos. Um feitiço com o ateou fogo no composto, que foi bebido por ambos antes de se retirarem para uma gruta ali perto onde consumariam o casamento. Enquanto isso, os convidados se banqueteavam na festa, com muita comida e bebida. Sir Henry demonstrou sua habilidade com falcoaria, assim como seu irmão. Seu feito foi tamanho que chamou a atenção do Barão Driant, de Silchester, amigo de Sir Hector, pai de Lady Joyce. O barão propôs levar o rapaz como escudeiro, o que foi aceito por Henry. No fim da festa Sir Dorian comeu e bebeu até dormir, enquanto Sir Henry se engraçava com uma jovem donzela chamada Lana – ele a seduziu e a possuiu nas sombras de Stonehenge.

Viajem a Londres

No fim daquele ano, earl Roderick ordenou que os cavaleiros levassem uma caravana de suprimentos para a cidade romana de Lundene, ou Londres, como estava conhecida. Conforme a guerra no ducado de Caercolun progredia com uma maciça invasão saxã, muitos refugiados chegavam às cidades do oeste. Foram enviados Sir Dorian, Isaac, Jeremiah, Haggen e Henry, e a viagem foi tranquila – a caravana encontrou uma legião romana de Silchester a caminho de Caercolun, que escoltou-os até Londres.

Banho Romano

Na cidade, os cavaleiros se espantaram com o tamanho e sua magnitude. Acredita-se que Londres possuía certamente mais de dez mil habitantes, embora seja improvável que superasse os quinze mil. Era certamente a maior cidade da Bretanha, e pagava o preço por isso.

As ruas eram imundas, paralelepípedos nas principais vias, cobertos por barro e dejetos em suas junções. As vias secundarias eram ainda piores, com um pavimento rustico, úmido, sujo de lama. Multidões abarrotavam as ruas movimentadas, o que se fez perder muito tempo para chegar até a catedral de São Paulo, destino dos mantimentos.

A estadia dos cavaleiros foi no mínimo traumática – Sir Dorian e Sir Isaac foram roubados enquanto procuravam uma taberna para, respectivamente, beber e trepar. Sir Jeremiah e Sir Haggen foram alvejados por pássaros enquanto admiravam a arquitetura romana, foram se lavar nos banhos romanos, para serem alvejados novamente ao sair. Sir Jeremy, revoltado, voltou para a catedral (mas se perdeu no caminho), Sir Haggen foi tomar outro banho. No fim do dia todos foram as compras de equipamentos – compraram espadas e armaduras de couro para seus escudeiros, lanças e escudos para si.

Mapa de Londres

Na manhã seguinte, eles retornaram para Sarum sob um dia chuvoso. Sir Haggen pegou uma tosse estranha, e só melhorou quando saíram da cidade. A terrível lembrança de Londres os fez querer nunca mais retornar – não imaginariam a importância que a cidade teria no futuro.



Frade Derfel
Novembro do ano de Nosso Senhor de 572


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