Capítulo 3. A Noiva Relutante


Pintura de Lady Gwynned

Discussões em Sarum

Minha senhora Mildrith, os seguintes relatos me foram passados pelo irmão Daniel de Bohr e se passam em algum período entre os anos de 485 e 486.

A batalha de Meacred Creek havia provado que o rei Uther precisava de aliados confiáveis então ele se reuniu com earl Roderick e seus principais vassalos em Sarum. Uther levava uma proposta pouco agradável a seu amigo, mas uma necessária. O salão estava cheio, e Sir Dorian, Sir Haggen e Sir Henry estavam presentes, e tomariam parte do que estaria por vir.

– Sabe Roderick, a batalha do vau de Meacred me mostrou que não podemos confiar naqueles cães que haviam jurado lealdade a meu irmão. Poucos são como você e Ulfius de Silchester, vassalos em quem posso confiar.

– Fico honrado com sua confiança, meu senhor, você sabe que faremos o que for preciso para ajuda-lo.

– Estive conversando com mercadores do norte a respeito dos senhores de Cambria e Cumbria. Pensei muito e quero que me faça um favor.

– É só pedir.

– Sua sobrinha Gwynned, meu caro Roderick, quantos invernos ela tem? – perguntou Uther, enquanto caminhava pelo salão, com um copo de cerveja nas mãos.

– Creio que treze, meu senhor – respondeu o conde.

– Mandei uma mensagem para o barão Galiffray de Highrock, um senhor de muitos cavaleiros. Galiffray se mostrou um possível aliado, tanto para os problemas dos saxões quanto com eventuais inimigos Cambrianos e invasores irlandeses. Mas para isso, Galiffray quer uma prova de boa vontade.

Roderick, já prevendo o que Uther diria, apenas balbuciou um “...mas meu senhor.”

– Galiffray quer uma esposa, Roderick, e sua sobrinha é uma bela jovem em idade de casar, de sangue nobre, de que Galiffray pode gostar.

– Meu senhor, eu já havia prometido a mão da jovem Gwynned para Aidan, de Aidanford, um baronete também de Cambria, um homem honrado e também um senhor de cavaleiros. Já dei minha palavra sobre isso.

– Sinto fazê-lo quebrar sua palavra, Roderick, nem duvido da índole desse jovem Aidan, mas duvido que ele tenha tantos homens ou uma fortaleza tão defensável, Galiffray é um aliado melhor.

– Concordo meu senhor, entretanto, gostaria que reconsiderasse.

– Sinto muito meu amigo, mas estamos em uma época de urgência. Sei que compreenderá.

– Sim senhor.

A Jornada para a Pedra Alta

O casamento foi marcado e Lady Gwynned preparou-se para a viagem. Com ela estavam quatro aias, três jovens e uma mais velha. Para a viagem, foram escolhidos dois jovens cavaleiros que se destacaram na batalha de Meacred Creek, Sir Dorian e Sir Haggen, e dois cavaleiros um pouco mais experientes, Sir Isaac e Sir Jeremiah. Sir Eustace, quando foi buscar seus pupilos não conseguiu encontrar Sir Henry, que fez a jornada apenas com seu escudeiro.

A jornada foi longa e era notável o fato de Gwynned estar descontente com seu destino. Ao atravessar a fronteira cambriana os cavaleiros atravessaram alguns feudos até alcançar o rio Usk, fronteira com as terras de Galiffray. Porém, a ponte estava quebrada e quando a averiguaram, o som de cavalos foi ouvido, e de uma trilha lateral um cavaleiro e duas dezenas de soldados emergiram, se posicionando para cercar a caravana.

O cavaleiro se adiantou e se apresentou, portava um escudo branco com um desenho de uma rosa vermelha, se chamava Sir Galeron e estava a serviço de Aidan de Aidanford. Disse que Roderick havia prometido a garota para seu senhor e que, além disso, o barão Galiffray era um homem cruel e que foi esse o motivo de terem derrubado a ponte – para que seus homens saqueassem a região.

– Não desejo lutar convosco, nobres cavaleiros. Tampouco permitirei que vadeeis este rio! Entreguem a donzela e provem que seu senhor tem palavra.

Decididos a prosseguir Dorian sugere que um duelo fosse travado entre os cavaleiros. Galeron concorda em um duelo até que um esteja em pé. Ambos se preparam e Lady Gwynned intervém.

– Por favor cavaleiros, que sangue não seja derramado neste dia. Sir Galeron eu vou com o senhor.

– Não se precipite senhora, pois não irá a lugar nenhum. – confrontou Isaac.

Sir Isaac, Jeremiah e Haggen se posicionaram entre os soldados e a caravana, impedindo que Gwynned fugisse.  Enquanto Dorian e Galeron desceram dos cavalos e se armaram com suas espadas e escudos. Ambos bradaram frases de efeito e reforçaram suas vontades armando-se com suas lealdades.

– Não vou permitir que tu intervenhas em nossa demanda, por Uther, que Deus guie minha espada!

– Que o justo amor vença essa disputa, em nome de Aidan de Aidanford, em guarda!

A luta foi rápida e implacável, Galeron avançou com a espada e, hábil como era, golpeou Dorian, que defletiu com o escudo, girando em movimento veloz, golpeando com a espada, que foi aparada por um movimento do oponente. Porém a força do golpe desequilibrou Galeron, que abriu a guarda ao retomar a postura, porém, em tempo a ponta da lamina de Dorian perfurou a cota de malhas, adentrando seu abdome, atravessando suas tripas. Galeron caiu no chão, gravemente ferido.

Ao ver seu líder cair, os soldados bradam e uivam xingamentos, alguns avançando com suas lanças. Mas Haggen os compeliu, dizendo que isso mancharia a honra de Galeron.

Em desespero, Dorian coloca o cavaleiro em seu cavalo e decide leva-lo a algum lugar para se recuperar. Os soldados sugerem o mosteiro de São João, onde os monges poderiam trata-lo. Então ele parte através do rio, com cuidado, prosseguindo para o mosteiro.

Desamparada, a jovem Gwynned aceita seu destino e é conduzida de volta a caravana. Os cavaleiros e alguns dos soldados contornam o rio até uma pequena ponte distante, rumando também para o mosteiro.

Noite no Mosteiro

– Sinto muito, meu senhor, mas ele não vai conseguir. – disse o homem em vestes marrons.

– Maldição! Em nome de Deus homem, você tem certeza? – Dorian estava inconformado com a morte do cavaleiro moribundo.

– Senhor, fizemos o melhor que pudemos.

Tarde da noite a caravana finalmente chegou no mosteiro e então Dorian explicou a seus camaradas a situação. O resto da madrugada foi difícil para todos, Gwynned e suas aias se refugiaram em uma sala do monastério e se recusaram a sair. Isaac e Haggen tentaram se aproximar das moças, sem muito sucesso. Dorian foi se confessar e teve uma noite ruim. Jeremiah e os escudeiros organizaram a vigilância com receio dos soldados resolverem levar a donzela.

Enquanto perambulava pelo local, Sir Haggen foi abordado por um dos clérigos – abade Gwair. Ele informou a respeito da índole do barão Galiffray e sugeriu que eles retornassem com a garota. Haggen negou, dizendo que a vontade de seu senhor Uther era mais importante. Então Gwair relatou a existência de um convento repleto de mulheres que foram abusadas pelos homens de Galiffray e pelo barão em pessoa.

Isso deixou Haggen pensativo – ele havia se afeiçoado por uma das aias de Gwynned e a possibilidade dela ser molestada o perturbou. Ele foi até a donzela e se ofereceu como guardião da jovem Joyce. Gwynned permitiu que ela ficasse com o cavaleiro, se assim desejasse.

A noite passou tranquila e no dia seguinte os soldados de Aidan levaram o corpo de Galeron para as terras de seu senhor.  Sem contra tempos a caravana enfim segue a estrada rumo a Highrock, a fortaleza montanhesa do barão Galiffray.

Chegada em Highrock

Highrock é um forte erguido no alto da encosta rochosa das montanhas cambrianas. Uma torre principal que abrigava o salão do barão e cozinha, um salão para os cavaleiros residentes e uma masmorra no andar inferior, e os aposentos do barão no andar superior. Uma escadaria dava acesso ao forte, saída do vilarejo abaixo. Uma passarela lateral permitia que seteiros disparassem em qualquer um que avançasse por ela. Na ponta dela havia uma plataforma levadiça, como um elevador de carga, para subir suprimentos para a fortaleza.

Barão Galiffray
Haviam muitos soldados na vila, aparentemente comemorando uma vitória. Haviam mulheres e crianças amarradas, pilhagens e bebida. Os cavaleiros deixam a dama e as aias fora do castelo com os escudeiros para protegê-las, e sobem para se apresentar para o barão. Galiffray estava em seu salão com seus cavaleiros quando eles se apresentaram. Galifray oferece para que ficassem e manda chamar a noiva.

Houve tensão quando Gwynned adentrou no salão com todas as aias, o que desaponta Haggen que percebe que a lealdade de Joyce por Gwynned é maior que sua proposta. O barão, satisfeito, se levanta e caminha até sua noiva. Solta um sorriso maldoso, uma pequena baba escorrendo pelo canto da boca, satisfeito diz:

– Muito bem cavaleiros, até que vocês tem belas mulheres em Logres.

Galiffray fez que ia tocar no rosto de Gwynned, mas ela se afasta e retruca.

– Jamais serei sua, seu bode velho!

Galiffray solta uma gargalhada, seguida de uma explosão de risos na sala.

– Você tem uma forte de vontade garota. – diz o barão – vou adorar quebrar você.

Os risos continuam, Galiffray dispensa o séquito. Os cavaleiros contam sobre a tentativa de Aidan de tomar Gwynned, e o barão diz que fará um saque a Aidanford como represália, convidando-os para a empreitada e sugerindo que ficaria mais disposto em sua aliança se assim o fizessem.

A noite cai e todos desfrutam da hospitalidade do barão. Sir Dorian se entrega a bebida e Sir Isaac fica excitado ao ver o momento que uma dúzia de escravas que são trazidas para dentro do salão. Uma em especial, ruiva irlandesa de não mais de treze anos – a mais bela e jovem de todas –, é oferecida a Galiffray por seu campeão, Sir Hunk, que a coloca em seu colo e abusa dela ali mesmo. Bastou isso para que os homens de Galiffray atacassem as mulheres, o que causou repulsa nos cavaleiros de Logres, que se retiraram do salão (com a notável exceção de Sir Isaac).

Durante a noite, Sir Henry chega não castelo – viajou sozinho como punição. Ao encontrar seus camaradas e descobrir tudo que ocorrera até ali, subiu com os escudeiros para se apresentar ao barão. Sir Henry se sente tentado de tomar parte da orgia que ocorria no salão, mas preferiu seduzir uma serva do castelo – “pelo desafio”, disse. Todos dormem em um aposento comunal.

Casamento em Luto

O casamento começou ao meio-dia. Monges encapuzados cantavam ao fundo, com o Bispo de Carlion realizando a cerimônia. Os convidados lotaram o salão, todos em suas melhores vestes, os cavaleiros traziam suas espadas apenas para destacar sua posição.

A noiva adentrou o salão conduzida por quatro monges encapuzados. Chorando, ela foi até a frente de seu futuro marido, que apenas sorria satisfeito. O bispo seguiu conforme os costumes, até permitir que o beijo dos noivos. Galiffray tentou beijá-la, que o afastou com as mão e cuspiu em seu rosto. Então o barão, em sua fúria, golpeou o rosto da dama derrubando-a no chão, e bradou:

– Vadia insolente! A cerimônia está realizada, levem-na para meus aposentos e preparem-na, pois hoje essa égua será domada!

Foi então que aconteceu, e neste ponto a história é confusa. Os textos dizem que os quatro monges que escoltavam Gwynned a levaram até a porta onde três pararam – puxaram espadas dos mantos, enquanto o quarto corria puxando a donzela, e atacaram os cavaleiros mais próximos sem hesitação. E uma batalha teve início. Em meio a nobres e cortesãos, cavaleiros sem armadura tentavam chegar aos monges que barraram a porta. Depois de um tempo era obvio que os monges possuíam armadura pois lutaram por muito tempo sem se ferir. Sir Henry, que possuía um Açor, mandou sua ave atrás dos fugitivos, enquanto tentava passar pelos guardiões.

Em determinado, um dos monges foi desarmado e fugiu e foi então que Henry conseguiu passar. Ele atravessou os corredores adjacentes até alcançar a passarela lateral do castelo, onde sua ave o esperava. Ele pôde ver a donzela descendo pela plataforma com um dos monges, enquanto outros dois estavam na plataforma – um rodando uma manivela que a descia e outro protegendo-o.

Foi então que Henry mandou a ave atacar a plataforma, e partiu para o combate com os monges porém, e essa é a parte mais confusa da história (há quem diga que ele mandou a ave atacar as cordas), foi desarmado e golpeado firmemente. A ave, desorientada começou a bicar e mordiscar a corda, até que a plataforma, com Gwynned e seu raptor, despencou. Todos ficaram atônitos, e foram socorrer a princesa. Os cavaleiros eventualmente superam os monges, que são capturados.

Desfecho

Gwynned foi levada com vida para seu quarto, mas os médicos disseram que nunca mais voltaria a andar. Sir Haggen se isolou em seu remorso por tudo que aconteceu até ali. Sir Henry ficou enfermo por um mês até que pudesse cavalgar de novo. Os monges capturados foram interrogados e torturados até revelarem que na verdade eram cavaleiros de Aidanford. Tomado pela fúria, Galifray ordena que todo o seu exército fosse reunido, e marchou contra Aidanford, capturando Aidan e tomando os feudos do baronete para si (eventualmente concedendo-os para Sir Hunk, que se tornou o baronete de Aidanford). Aidan foi torturado e esquartejado, seu corpo exposto em Highrock. Sua família e todos os seus cavaleiros foram humilhantemente executados.

Apesar de tudo, Galiffray estava feliz – eliminou um antigo inimigo e tomou suas terras, e agora não tinha obrigações para com Uther. Ele manteve os cavaleiros de Logres em sua morada enquanto eles precisassem, mas dispensou Gwynned dizendo que “não queria uma esposa aleijada”. Os cavaleiros retornaram enfim para Logres, sem aliados e com a sobrinha de seu senhor aleijada, completamente derrotados. Todos sabiam da culpa de Henry, em especial Isaac, que nunca o perdoou e fez questão de ressaltar isso perante a corte de Logres – dizem que eles duelaram após a jornada, com a vitória de Sir Isaac para a total desonra de Sir Henry.

Earl Roderick condenou-os aos piores trabalhos possíveis a um cavaleiro, sentença pequena e injusta segundo seu irmão, pai de Gwynned, que queria a execução de todos. Mas o destino é implacável, e provaria que o caminho dos cavaleiros estava além de uma morte simplória.


Eis os antigos brasões cambrianos, minha Senhora:


Brasão de Aidanford,
in memoriam
Brasão de Galeron,
in memoriam




Frade Derfel
Outubro do ano de Nosso Senhor de 572


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